Textos

Spam

Naquela manhã, como sempre, amaldiçoei as mensagens de spam recebidas. Também acessei o filtro de mensagens do meu provedor de e-mail e analisei cuidadosamente a lista gerada com medo de apagar alguma mensagem esperada. Separei alguns que realmente me interessavam e me preparei para deletar a longa lista. Neste exato momento, o telefone tocou e interrompi a operação. Atendi uma ligação recebida por engano.
Depois de baixar o telefone, voltei-me novamente a lista. Um dos remetentes tinha como nome um apelido carinhoso que tive na adolescência. Só ela me chamava assim. Não, eu não havia dividido com ninguém aquela informação, nunca a digitei num texto ou em algum banco de dados. Por mais experto que algum spammer ou hacker fosse, ele não descobriria algo assim. Hesitei por alguns instantes, porém resolvi abrir a mensagem.
Assim que a abri, o sistema travou. Nada mais funcionava. Pensei ter feito a escolha incorreta, o phishing havia me pegado direitinho. Desesperadamente apertei o botão liga-desliga da máquina, torcendo que ainda desse tempo para salvar alguma coisa. A máquina não desligava. Fui obrigado a desconectar a bateria. Acreditei que aquele não seria um dia de sorte.
O suor escorria pelo meu rosto e encharcava a minha camisa. Conectei tudo novamente e apertei o botão. Para meu alívio a máquina reiniciou. No dia anterior foi o disco rígido que eu utilizava como back-up que tivera problema e agora o mesmo acontecia com a máquina que guardava os arquivos importantes de toda uma vida. Lembrei de um amigo que chamei de exagerado por ter três discos rígidos com cópias de seus arquivos. Ele como resposta, sorrindo, dizia: “Não é só Jesus quem salva! ” A ideia de armazenar os dados na Nuvem me desagradava. Porém, sempre fui muito cuidadoso. Por que isto estaria acontecendo justo comigo?
Sistema operacional carregado, comecei a certificar-me de que os arquivos estavam íntegros. Parecia tudo normal. Pensei em buscar o e-mail novamente. Teria sido ele a causa do travamento ou fora mera coincidência? Eu não poderia arriscar. Troquei as roupas e corri para a loja de artigos de informática. Comprei dois discos rígidos externos.
No caminho de casa, para minha maior surpresa, depois de muitos anos, avistei a garota que havia me conferido o apelido, aquele que o remetente do e-mail usara na mensagem misteriosa. Ela não voltava à cidade há muitos anos. Percebi que o meu sentimento por ela continuava o mesmo. Por isso, eu havia decidido viver sozinho.
Parei o carro, desci e caminhei pela calçada até passar por ela. Laura tirava da cadeirinha de transporte, um belo menino, seu filho provavelmente. Ainda no carro, um sujeito alguns anos mais velho atendia ao telefone celular. Quando ela tirou a criança, caiu um brinquedinho, um mordedor, que rolou até meus pés.
Apanhei-o e entreguei a ela. Ela sorriu, me agradeceu, porém pareceu não me reconhecer. Pensei em dizer: “Olá Laura! Que coisa boa lhe reencontrar. Não lembra de mim, o Juca. Estudamos até o oitavo ano juntos!”. Talvez ela lembrasse do apelido.
Porém não foi isto que aconteceu. Permaneci por alguns instantes com um sorriso congelado no rosto. Apenas acenei com a cabeça e segui em frente, até a esquina. Atravessei para o outro lado da rua e fiquei observando a cena por alguns segundos, até que ela entrou na loja em frente. O sujeito permaneceu no carro.
No caminho até a loja de informática, antes de encontrar Laura, cheguei a pensar que fosse ela quem havia mandado a mensagem. Conclui que não, nem ao menos me reconheceu! Ela era uma mulher misteriosa, deixara a cidade sem despedidas e sem que soubessem o motivo da sua partida. Sua mãe fechou-se por todos estes anos e não falava mais na filha. Sua chegada deveria ser recente, a cidade é pequena, eu saberia.
Em casa, tratei de fazer a cópia de segurança dos arquivos. Enquanto isso, no smartphone procurei informações sobre ela nas redes sociais. Não encontrei nada, nem uma menção ao nome dela. Já estava desistindo quando resolvi pesquisar o meu apelido de adolescência. A busca foi positiva. Na página, apenas uma foto, no perfil, um fundo negro, um endereço de e-mail e mais nada.
Olhei com cuidado a foto. Não podia ser. Era eu mesmo na imagem, bastante mais velho, mas não havia dúvidas, a mesma marca de nascença ainda se destacava. Eu não conhecia ninguém na família tão parecido e ainda usando como nome um apelido que só eu e ela conhecíamos!
Pensei no e-mail e me senti tolo. Já se passavam horas desde que o sistema travou e eu iniciei a cópia de segurança. Eu poderia simplesmente ter acessado o correio eletrônico pelo smartphone. O susto me bloqueou o pensamento. Apanhei o aparelho e comecei a acessar a caixa de mensagens. A rede estava um pouco lenta e pensando em tudo cheguei à conclusão que me esquecera do celular por um motivo: eu precisava reencontrar Laura. O destino queria assim.
Quando abri a mensagem, mais uma surpresa. Ela estava codificada. Era o mesmo padrão que eu e Laura usávamos em nossas brincadeiras em sala de aula. Apanhei uma folha de papel, esforcei-me para lembrar da correlação entre o alfabeto e os símbolos. Depois de lembrar da chave da criptografia, traduzi a mensagem: “Como o conheço, sei que já encontrou a página na rede social, vá até o site indicado. A senha é a mesma de acesso a nossa conta bancária.
Passei a tarde toda explorando as informações do site. Páginas e páginas com informações sobre física quântica. Depois de ler, fiquei com algumas dúvidas. A principal: como um eu no futuro me mandaria uma mensagem, um aviso? Quando eu ainda quebrava a cabeça tentando imaginar o que acontecera, recebi o aviso de recebimento de uma nova mensagem.
Corri para abri-la. Inacreditável! Eu agora trocava mensagens comigo mesmo. A nova mensagem começava a esclarecer um pouco de minhas dúvidas:
“Vejo que você já acessou as primeiras informações que disponibilizei. Você agora faz parte de um grande experimento. Cada uma de suas ações e decisões influenciará o nosso futuro. Não esqueça a Teoria da Relatividade, veja ela com outros olhos. Hoje, temos como enviar mensagens através de partículas com velocidade superior à da luz, acelerando-as no espaço-tempo, encontrando atalhos. É possível envia-las para o futuro ou para o passado. Agora temos a certeza do nosso sucesso, pois você está lendo esta mensagem! Então, vamos simplificar o processo. Em alguns segundos você receberá uma mensagem no aplicativo do seu celular. Vamos continuar nossa conversa!”.
– Olá, eu do passado!
– Olá! Como estou? – Perguntei.
As respostas demoravam um pouco a chegar. Imaginei que as viagens no espaço-tempo causassem tal efeito.
– Uma boa notícia, para começar: você já conseguiu viver por mais trinta anos. Prova disso é que eu estou aqui.
– Tenho muitas perguntas. Mas o que mais me deixa curioso é saber a partir de que momento passei a gostar de Física?
– Na verdade, viemos a reboque. Com certeza, lembra-se de Laura. Foi através dela que consegui fazer com que me encontrasse. Pois bem, como sabe, ela era uma das melhores alunas da sala, com um pensamento lógico invejável. Ela teve um filho, com a mente ainda mais privilegiada. Com a nossa ajuda financeira, ela conseguiu investir em pesquisas. Ela e o filho receberam reconhecimento internacional pelos feitos, o que proporcionou mais recursos para as pesquisas. Assim estamos agora, de certa forma, viajando no tempo e influenciando o futuro.
– Incrível! Acabei de vê-la, ela e o filho. Havia um sujeito, um pouco mais velho. Ele a acompanhava.
– Sim, o marido dela. Em dois anos ele morrerá, vitimado por um câncer.
– Depois, o que acontecerá com Laura?
– Calma, qualquer coisa que você faça poderá afetar seriamente o princípio fundamental da causa e consequência. Assim, peço que compreenda a limitação de minhas informações, mas há algo que posso lhe adiantar.
Foram os segundos de maior expectativa em minha vida.
– Vocês ficarão juntos, ao menos até hoje, aqui, no meu tempo.
Suspirei aliviado, porém fiquei ainda mais ansioso. Nossa troca de mensagens durou algumas horas, até que minha bateria do celular acabasse. Antes disso, Eu no futuro me fez alguns pedidos:
– Para que nossos projetos no futuro evoluam ainda mais, precisamos que aí, no seu presente, tenhamos mais recursos. Há outras pessoas com quem mantemos contato, no seu tempo, que de certa forma participarão de nossos projetos futuramente. Tais pessoas reuniram recursos e os depositaram em uma conta. Vou lhe passar o número e senhas de acesso. Transfira tudo para a sua conta.
– Obrigado pela confiança! E se eu resolver ficar com o dinheiro?
– Sei que não fará isso. Não esqueça, eu o conheço melhor do que ninguém. Também conheço os valores que possui aplicado num fundo de investimentos. Esse dinheiro não faria diferença para você.
– E quanto a Laura, posso tentar me aproximar dela, fazer contato?
– No momento certo lhe dou um sinal. Não se apresse, estragaria tudo.
No mesmo dia, segui as orientações e transferi o dinheiro para a minha conta, uma pequena fortuna. Esperei por um novo contato com meu Eu do futuro.
Passaram-se alguns dias e nada acontecia. O site havia sido retirado do ar, o número de telefone no aplicativo estava bloqueado ou inoperante. Resolvi procurar por Laura. O único ponto de referência era a casa de sua mãe. Encontrei-a fechada. Perguntei aos vizinhos sobre a moça num sedan preto. Disseram-me que ela não havia ficado mais do que dois dias e partiu, levando com ela Dona Antônia.
Não dormi durante algumas noites, tentando imaginar o que o futuro me reservava. Certa madrugada, recebi o sinal de alerta de uma mensagem no telefone celular. Meu Eu do futuro voltara a fazer contato:
– Acredito que tenha ficado ansioso. Eu também fiquei aqui. Não queria que fosse assim, porém passamos por algumas interferências causadas por explosões de uma estrela próxima, o que causou prejuízos aos sinais de transmissão. Continuamos com problemas de estabilidade no sinal. Serei breve.
– Espere, o que aconteceu com Laura?
– Não se preocupe, ela está bem. Veja, esta é ela, trinta anos mais velha.
Ela continuava linda, bem melhor do que o Eu do futuro na fotografia do site. Pensar que envelheceríamos juntos me agradava.
– Agora faça o seguinte, pegue o dinheiro que transferiu daquela conta para sua e junte metade do que possui em sua conta de aplicação. Faça um depósito com base nos dados que lhe passarei na sequência.
– Tem certeza disso?
– Não confia em você mesmo?
A comunicação foi interrompida na sequência. Meu Eu do futuro confiara em mim, deixou uma pequena fortuna, por vários dias, sob meus cuidados. Pensei por alguns instantes e cedi. Depositei o dinheiro na conta de uma organização intitulada Neutrinos. O nome parecia estar alinhado às pesquisas de deslocamento de partículas realizadas no CERN, citadas no material do site que eu pesquisara, por indicação do meu Eu do futuro.
Aguardei contato. Eu precisava saber quando poderia tentar me aproximar de Laura. Me peguei imaginando como seria a minha relação com seu filho no futuro. Como ele me trataria? Me chamaria de pai? Me imaginei mergulhando no mundo lógico de Laura. Precisaria me adaptar, eu sempre fui mais sentimento do que razão. Agora, mais do que nunca, eu tinha planos, um novo objetivo de vida.
Como nada acontecia, passei a navegar pela Internet buscando informações. Tudo havia desaparecido. Pedi ajuda a um especialista. O site, a página na rede social, as mensagens recebidas, tudo foi criado a partir de um único endereço IP, no presente mesmo. No Cyber Café, que fica a menos de duas quadras do meu apartamento, a atendente lembra bem da bela mulher que passou horas e horas ocupando uma das máquinas, durante alguns dias, e que por alguns instantes deixou que ela segurasse o garotinho no colo.
Fui cego pelo sentimento. Aplicativos simples envelhecem imagens de pessoas. Fui em digitou uma senha de conta num site, ninguém me obrigou.
Fico imaginando que Laura talvez tenha adotado uma nova identidade. E o menino, seria realmente seu filho? Será que foi obrigada por aquele sujeito a enganar seu amigo de infância?
Meu smartphone alarmou. O mesmo número de quem se passava por meu Eu no futuro. A imagem do perfil havia sido trocada. Nela Laura sorria.
Apressadamente abri a mensagem:
– Perdoe-me, preciso da sua ajuda!

Texto que compõe a Coletânea Por quê comigo?